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Foto do escritorArnaldo Paes de Andrade

LGPD e teletrabalho: o que é importante saber?

A história nos mostra que o Direito do Trabalho está em constante mudança, de modo a responder aos anseios da sociedade que regula, sendo fortemente influenciado pelo desenvolvimento tecnológico. Assim, é natural que com a revolução digital, surgissem novas formas de prestação de trabalho.

Uma delas é o Teletrabalho, introduzido expressamente no nosso ordenamento através da Lei 13.467/17, que, dentre outras modificações, adicionou um capítulo sobre esse regime jurídico na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Este artigo se propõe a abordar as vantagens e os riscos revelados com a adoção em larga escala dessa modalidade de trabalho durante o período pandêmico, dando maior ênfase aos riscos para a privacidade dos trabalhadores. O objetivo é trazer luz sobre essas questões, de modo a minimizar os riscos encontrados e maximizar as vantagens do teletrabalho, que certamente veio para ficar.

Teletrabalho: disposições legais

O Teletrabalho é a prestação de serviços, preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação. O teletrabalho em Home Office, ou seja, no domicílio do trabalhador, é apenas umas das modalidades possíveis desse regime jurídico de trabalho, que também pode ser realizado em telecentros ou de forma móvel, como em espaços de coworking e cafeterias.

Importante destacar que a contratação em regime de Teletrabalho deve constar expressamente no Contrato Individual de Trabalho, que deve especificar as atividades a serem desenvolvidas pelo trabalhador. Para os trabalhadores que já laboram em regime presencial, a alteração para o teletrabalho requer mútuo acordo entre as partes e registro em aditivo contratual.

As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e infraestrutura necessárias e adequadas para a prestação do trabalho remoto, bem como, ao reembolso das despesas arcadas pelo trabalhador devem estar previstas em um contrato escrito.

No que tange às normas de saúde e segurança, a lei traz a obrigação do empregador instruir os seus empregados, quanto às precauções que podem ser tomadas para evitar doenças e acidentes de trabalho, sendo necessário que o trabalhador assine um termo de responsabilidade.

Por opção do legislador, as disposições legais acerca do teletrabalho não trouxeram maiores detalhamentos, sendo primordial que haja uma negociação equilibrada entre as partes sobre os termos que serão estabelecidos no contrato escrito. A negociação poderá ser individual (entre empregador e empregado) ou coletiva, com a participação do sindicato, que entendemos ser sempre a melhor opção, tendo em vista a assimetria de poder existente nas relações laborais.

O teletrabalho na pandemia: vantagens e riscos identificados

Desde o ano passado, com a pandemia do Covid-19, o teletrabalho em home office, desenvolvido a partir do domicílio do trabalhador, passou a fazer parte do chamado “novo normal”, ganhando uma dimensão até então desconhecida.

Com vistas a possibilitar a imediata adoção dessa modalidade por parte das empresas, durante a pandemia, o governo já editou duas medidas provisórias [1] permitindo aos empregadores implementarem o teletrabalho, independentemente de acordos individuais ou coletivos, dispensada, inclusive, a obrigatoriedade do registro prévio da alteração no contrato de trabalho.

As empresas logo perceberam as vantagens do teletrabalho, tais como o aumento da produtividade e a imensa redução de custos com instalações, água, luz, produtos de higiene e limpeza, equipamentos, trabalho extraordinário que não é contabilizado, uma vez que a lei dispensa os teletrabalhadores do controle de jornada, e a diminuição do absenteísmo.

Já os trabalhadores sempre viram o teletrabalho como vantajoso por propiciar uma maior autonomia no desenvolvimento das atividades, maior proximidade com o núcleo familiar, economia de custos com transporte e vestuário, economia de tempo com deslocamento (o que poderia permitir a realização de atividades extralaborais) e o acesso ao emprego por pessoas com mobilidade reduzida. No entanto, a experiência acabou evidenciando também alguns riscos que precisarão ser mitigados, tendo em vista que, ao que tudo indica, o teletrabalho continuará a ser adotado por muitas organizações, após o fim da pandemia.

Dentre os problemas identificados estão a falta de convívio social, a diminuição do senso de coletividade e de pertencimento, os gastos com os equipamentos e infraestrutura necessárias para o teletrabalho, custeados integralmente pelos trabalhadores, além da necessidade de se equilibrar o tempo dedicado ao trabalho com o tempo dedicado à vida privada.

Por estarem isentos do controle de jornada [2], os teletrabalhadores sofreram um aumento excessivo na carga de trabalho, levando a situações de estresse digital e adoecimento.

Não por outro motivo, há vários projetos de lei [3] em tramitação no Congresso visando alterar a CLT para melhor regulamentar esse regime de trabalho, de modo a garantir uma maior proteção aos trabalhadores.

É de fundamental importância destacar que não há qualquer impedimento do ponto de vista tecnológico para que se efetue o controle da jornada desses trabalhadores, ao contrário, a tecnologia permite um controle muito maior do trabalhador e, o que temos visto, por parte das empresas, é uma grande procura por programas de monitoramento, sendo alguns destes extremamente intrusivos, com coletas excessivas de dados pessoais, em flagrante desrespeito aos direitos de privacidade e de proteção de dados pessoais dos trabalhadores.

Para a Comissão Nacional de Proteção de Dados de Portugal – CNPD , alguns programas, tais como: TimeDoctor, Hubstaff, Timing, ManicTime, TimeCamp, Toggl eHarvest, promovem um controle do trabalho num grau muito mais detalhado do que aquele que poderia ser legitimamente feito nas instalações da empresa, e afirma que o regime do teletrabalho não justifica uma maior restrição da esfera jurídica dos trabalhadores.

O teletrabalho e o respeito à privacidade e à proteção dos dados pessoais

Atento a todas essas questões, em 10 de setembro de 2020, o Ministério Público do Trabalho – MPT expediu a Nota Técnica 17/2020, instando as empresas, sindicatos e órgãos daAdministração Pública a adotarem 17 medidas e diretrizes para a proteção dos trabalhadores em regime de teletrabalho. Dentre elas, no que concerne à proteção de dados, estão o respeito a ética digital na obtenção, armazenamento e compartilhamento de dados fornecidos pelos empregados e empregadas; orientação para a realização do serviço de forma menos invasiva ao direito de imagem e à privacidade; e a garantia do consentimento prévio e expresso para o uso de imagem e voz.

Com a entrada em vigor da Lei13.709/18, Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em 18 setembro de 2020, todo tratamento de dados pessoais deve possuir uma finalidade legitima, especifica e informada ao titular, com a coleta apenas dos dados estritamente necessários para o atingimento da finalidade, sempre da maneira menos intrusiva possível e com a garantia ao exercício dos direitos dos titulares, assegurados em lei. Além disso, é preciso que a atividade seja passível de enquadramento em uma das bases legais do artigo 7º (dados pessoais) ou do artigo 11 (dados pessoais sensíveis).

Nesta acepção, coletas excessivas de dados pessoais não encontram amparo legal. Portanto, a utilização de programas que fazem o rastreamento do tempo de trabalho e de inatividade dos trabalhadores, registram as páginas de Internet visitadas, a localização em tempo real, registram o tempo gasto em cada tarefa e realizam a captura de imagem do ambiente de trabalho, podendo, inclusive, capturar imagens de familiares e menores de idade, com o objetivo de monitorar a produtividade do trabalhador sem que ele, muitas das vezes, sequer imagine que tal controle existe, implicam em uma restrição desnecessária e excessiva da vida privada do trabalhador, ferindo diversos princípios legais como finalidade, adequação, necessidade e transparência.

Muito embora o empregador tenha um legitimo interesse em realizar o controle da produtividade e do trabalho realizado pelos seus empregados, há limites. Sempre que houver um desbalanceamento muito grande entre os interesses do empregador e os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade do titular de dados (trabalhador), o tratamento não deverá ser realizado. Como justificar, por exemplo, com fundamento jurídico no legitimo interesse, um tratamento que registre toda a digitação e os movimentos de mouse do trabalhador?

Em todo caso, sempre que houver qualquer tipo de monitoramento, o trabalhador deve ser informado.

Vale destacar que o empregador, ao decidir sobre o tratamento de dados pessoais de seus trabalhadores, age como controlador[4], estando passível de responsabilização civil, quando em decorrência do exercício de atividade de tratamento de dados, causar dano patrimonial, moral, individual ou coletivo em violação à legislação de proteção de dados pessoais. [5].

Assim sendo, as organizações que estão aguardando pelo início da vigência das sanções administrativas, em agosto desse ano [6], para adequarem seus processos, estão assumindo um elevado risco, uma vez que a lei se encontra em vigor desde setembro de 2020, e já existem várias ações judiciais com fundamento na LGPD, inclusive no âmbito trabalhista [7].

Um ponto fundamental na adequação à lei é a conscientização ecapacitação de toda a organização, tanto na legislação de proteção de dados, de modo que todos possam conhecer e aprender sobre esse novo direito, quanto, no manuseio das tecnologias e ferramentas necessárias para o teletrabalho. Nesse sentido, o Ministério Público do Trabalho considera que dentre as medidas fundamentais para a efetividade do teletrabalho é indispensável a cidadania digital, a ser compreendida como a necessidade de inclusão e de educação digital.

Cabe destacar que, em 2020, o número de incidentes de segurança com violação de dados pessoais aumentou consideravelmente [8]. A adoção em larga escala do teletrabalho sem a capacitação dos trabalhadores e sem a necessária adoção de medidas técnicas e administrativas de segurança, e coma utilização dos equipamentos e infraestruturas dos próprios trabalhadores, contribuiu bastante para esse aumento.

Por conseguinte, é muito importante que as empresas adotem medidas necessárias e adequadas de acordo com o seu porte, com sua realidade e com o nível de risco das atividades de tratamento de dados que realizam, através da criação de diversas políticas, incluindo uma política de teletrabalho.

Conclusões

É indiscutível que o teletrabalho veio para ficar, mas a pandemia também mostrou que é necessário investir em educação digital para milhares de trabalhadores. O futuro é digital e ninguém deve ser excluído dele.

A adoção em larga escala do teletrabalho, revelou pontos fracos, que precisam ser revistos em um modelo pós-pandemia, que deve buscar um equilíbrio entre as necessidades dos trabalhadores e empregadores. O relatório da OIT “Working anytime, anywhere: the effects on the world of work” defende um regime híbrido de teletrabalho, com limite de dois a três dias por semana para o trabalho à distância e o direito à desconexão para que o trabalhadorpossa executar outras atividades de seu interesse, fora do seu horário de trabalho. Independentemente do modelo a ser adotado, o teletrabalho deve assegurar o direito à saúde (física e mental), à privacidade e à proteção de dados, direitos considerados fundamentais.

É inaceitável um modelo de trabalhador permanentemente conectado e disponível. Nesse sentido, além das propostas legislativas que tramitam no congresso para regulamentar melhor esse regime, é preciso fortalecer os sindicatos para que estes possam negociar condições que assegurem maior proteção a esses trabalhadores.

De igual modo, é inconcebível um modelo de trabalho de permanente vigilância corporativa, uma espécie de nudez tecnológica, com coleta massiva de dados pessoais, incluindo dados sensíveis. Nesse sentido, além do papel dos sindicatos através das negociações coletivas, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD [9], que completou recentemente 6 meses de vida, caminhando com passos largos e firmes no desempenho de sua missão, poderá emitir diretrizes para o tratamento de dados pessoais no contexto laboral, incluindo o teletrabalho, como existe no ambiente europeu.

Estamos apenas no início da jornada rumo a um futuro cada vez mais digital, e isso inclui também o futuro do trabalho. É preciso avançar equilibrando interesses e construindo pontes rumo a um futuro que seja DIGNO, SOLIDÁRIO, com INCLUSÃO e EDUCAÇÃO DIGITAL para TODOS.

Por um futuro do trabalho transformado, jamais deformado!

Post publicado originalmente no site Nextlawacademy. Para saber mais, clique aqui.

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